Save Damien Rice
Globo on Line, 19/01/06. Gustavo de Almeida - blogs Paralelos
SALVEM DAMIEN RICE DA LÍNGUA PORTUGUESA
Todos já sabem quem é Damien Rice, apesar de eu continuar ignorando qualquer informação sobre este cantor e compositor que seja diferente de “Ele é irlandês”. Na verdade, se alguém me corrigir dizendo que ele é iSlandês, aceitarei com a calma de quem ouve um mugido. Você não sabe quem é Damien Rice? Bom, há dois meses eu lhe diria que é a voz que canta uma música absurdamente triste no início do superestimado Closer, o tal filme-peça em que Clive Owen e Jude Law dividem Julia Roberts e Natalie Portman como se na verdade quisessem mesmo é encontrar um ao outro.
A música inicial é realmente inesquecível – Natalie Portman caminha por uma rua movimentada e fria (em todos os sentidos), enquanto Damien, ao fundo, canta “Blower’s Daughter”, dizendo à platéia um melancólico “And so it is”, arrematando com um refrão em que muda de tom alucinadamente para “I can´t take my eyes off you”. Juro que na primeira audição eu tentei achar algo parecido na memória e até arrisquei, “É uma versão para aquela famosa I can´t take my eyes for you”
“Blower’s Daughter”, sim, está manjadíssima, mas é absolutamente irresistível. Sua frase “No love no glory/no hero in the sky” nos conduz irremediavelmente a um mundo real, sem glória, de amor baseado em sexo (como no filme), de falta de esperança refletida em um céu sem heróis voando. A voz de Damien (Rice, não o Thorne de “The Omen”) soa inicialmente como um James Taylor com mais testosterona (seria mais fácil dizer um Neil Young?), e vai evoluindo, passa por Thom Yorke só para cumprimentar e desembarca em....Damien Rice.
O arranjo de cordas, o violão folk gigante, o clima de fossa primordial, primitiva, básica, na qual o cantor já não sente saudade de mais ninguém a não ser dele mesmo quando era feliz, enfim, tudo isso faz de “Blower´s daughter” uma canção perfeita, estupenda, talvez a melhor da década. Será manjada e ouvida por anos a fio, assim como em breve “Delicate”, “Cold Water” e “Amie” (maravilhosa), outras lindas músicas do disco, ficarão nas nossas memórias.
Todos estes parágrafos são apenas para perguntar a Ana Carolina, a Seu Jorge e a Simone: por que vocês fizeram isso?
Mas que papagaiada: “ensinar nossos filhos/a escolher seus amores”. Ora, vão pentear macacos. Meu Deus, para mim já estava bom que na Jovem Guarda pegassem a música “Yellow Mellow” de Donovan e transformassem em “Caramelo”. Mas certamente Damien Rice não merecia isso. O trabalho de Ana Carolina, Seu Jorge e Simone, ao fazerem versões EM PORTUGUÊS de “Blower´s Daughter”, foi impedir a música de se tornar um clássico, já que suas nojentas versões foram tocadas exaustivamente durante as compras de Natal.
Acho que é este o gelo fino da vida moderna: se tira um canção da alma e se atira no chiqueiro em questão de instantes. E um dia se vende por R$12,90 na gôndola inicial das Lojas Americanas. Vamos salvar Damien Rice, todos eles.
SALVEM DAMIEN RICE DA LÍNGUA PORTUGUESA
Todos já sabem quem é Damien Rice, apesar de eu continuar ignorando qualquer informação sobre este cantor e compositor que seja diferente de “Ele é irlandês”. Na verdade, se alguém me corrigir dizendo que ele é iSlandês, aceitarei com a calma de quem ouve um mugido. Você não sabe quem é Damien Rice? Bom, há dois meses eu lhe diria que é a voz que canta uma música absurdamente triste no início do superestimado Closer, o tal filme-peça em que Clive Owen e Jude Law dividem Julia Roberts e Natalie Portman como se na verdade quisessem mesmo é encontrar um ao outro.
A música inicial é realmente inesquecível – Natalie Portman caminha por uma rua movimentada e fria (em todos os sentidos), enquanto Damien, ao fundo, canta “Blower’s Daughter”, dizendo à platéia um melancólico “And so it is”, arrematando com um refrão em que muda de tom alucinadamente para “I can´t take my eyes off you”. Juro que na primeira audição eu tentei achar algo parecido na memória e até arrisquei, “É uma versão para aquela famosa I can´t take my eyes for you”
“Blower’s Daughter”, sim, está manjadíssima, mas é absolutamente irresistível. Sua frase “No love no glory/no hero in the sky” nos conduz irremediavelmente a um mundo real, sem glória, de amor baseado em sexo (como no filme), de falta de esperança refletida em um céu sem heróis voando. A voz de Damien (Rice, não o Thorne de “The Omen”) soa inicialmente como um James Taylor com mais testosterona (seria mais fácil dizer um Neil Young?), e vai evoluindo, passa por Thom Yorke só para cumprimentar e desembarca em....Damien Rice.
O arranjo de cordas, o violão folk gigante, o clima de fossa primordial, primitiva, básica, na qual o cantor já não sente saudade de mais ninguém a não ser dele mesmo quando era feliz, enfim, tudo isso faz de “Blower´s daughter” uma canção perfeita, estupenda, talvez a melhor da década. Será manjada e ouvida por anos a fio, assim como em breve “Delicate”, “Cold Water” e “Amie” (maravilhosa), outras lindas músicas do disco, ficarão nas nossas memórias.
Todos estes parágrafos são apenas para perguntar a Ana Carolina, a Seu Jorge e a Simone: por que vocês fizeram isso?
Mas que papagaiada: “ensinar nossos filhos/a escolher seus amores”. Ora, vão pentear macacos. Meu Deus, para mim já estava bom que na Jovem Guarda pegassem a música “Yellow Mellow” de Donovan e transformassem em “Caramelo”. Mas certamente Damien Rice não merecia isso. O trabalho de Ana Carolina, Seu Jorge e Simone, ao fazerem versões EM PORTUGUÊS de “Blower´s Daughter”, foi impedir a música de se tornar um clássico, já que suas nojentas versões foram tocadas exaustivamente durante as compras de Natal.
Acho que é este o gelo fino da vida moderna: se tira um canção da alma e se atira no chiqueiro em questão de instantes. E um dia se vende por R$12,90 na gôndola inicial das Lojas Americanas. Vamos salvar Damien Rice, todos eles.